sexta-feira, março 05, 2021

 No Teu Poema

No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida
No teu poema existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E, aberta, uma varanda para o mundo
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha
No teu poema
Existe um canto, chão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra
E um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda escapa
E um verso em branco à espera de futuro


Compositor: José Luis Tinoco

terça-feira, fevereiro 02, 2021

 Amor é fogo que arde sem se ver


Amor é fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor

Luis Vaz de Camões

quarta-feira, setembro 30, 2020

     Um beijo apaixonado


Te amo em segredo
Tenho medo de demonstrar
Não quero me decepcionar...

Já te vi me olhando
Com um olhar que me fez te desejar...
Um olhar tão belo
Como a luz do luar

Você com sua beleza e simpatia
Me conquistou
Quando te vejo passando
Imagino nós dois se beijando
Um beijo apaixonado
Com o sabor do pecado...

Seu sorriso
Seu olhar
Me faz flutuar
Não sei até quando vou aguentar
Te amar e não puder te tocar


Paulo Ipse

terça-feira, setembro 01, 2020

 

Quase um Poema de Amor

Há muito tempo já que não escrevo um poema 
De amor. 
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza! 
A nossa natureza 
Lusitana 
Tem essa humana 
Graça 
Feiticeira 
De tornar de cristal 
A mais sentimental 
E baça 
Bebedeira. 

Mas ou seja que vou envelhecendo 
E ninguém me deseje apaixonado, 
Ou que a antiga paixão 
Me mantenha calado 
O coração 
Num íntimo pudor, 
— Há muito tempo já que não escrevo um poema 
De amor.

sábado, abril 20, 2019

Vais, mas voltas.6

Vais, mas voltas. Sempre voltas!
Apressas o passo e levas contigo a fúria de mil tempestades. Rasgas o verbo com a força da tua raiva, que te domina fazendo perder o discernimento. Eras capazes de matar nesse exacto momento. Bastava a cegueira te tomar de assalto e toda tua vida se via perdida num gesto insano.
Gritas bem alto que não mais me queres ver, que me queres esquecer preferindo a morte a voltar para os meus braços. Abres caminho como um rio desenfreado, que acordou mal-humorado e na ânsia de se impor transborda exibindo a sua dor
Tu vais, mas voltas. Sempre voltas...
Deixas o tempo passar, finges de mim não lembrar e procuras o brilho de outros olhos.
Apressas o tempo em correria a cada dia preenchendo o vazio que teimas em não querer sentir. Sorris numa felicidade fingida, afogada à noite na bebida num trago amargo e forte.
Esqueces a raiva, sentes o abandono do teu corpo maltratado pela saudade. Relembras cada vez que te perdeste nos recantos do meu corpo. A cada toque a descoberta de um novo prazer, um sabor mais doce, mais quente, mais intenso…
Mas a mágoa grita em teu ouvido atirando-te para o inferno. O teu peito arde de ira, os teus olhos choram de dor… é o preço do amor.
Entre o amor e a razão, do orgulho não abres mão e escolheste o teu caminho… agora com a vida em desalinho pontapeias os dias, acreditando me esquecer.
Tu foste e não voltaste..., ainda.
Mas um dia vais voltar, disso tenho certeza.Não há sentimento de maior nobreza que aquele que sentimos.
Volta- mo- nos, fingimos, mas sabemos... que um dia tu voltas.

Giullia

Abril/2018

sábado, abril 13, 2019

Se tu viesses ver-me...

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha, A essa hora dos mágicos cansaços, Quando a noite de manso se avizinha, E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha A tua boca... o eco dos teus passos... O teu riso de fonte... os teus abraços... Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca, Traça as linhas dulcíssimas dum beijo E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca... Quando os olhos se me cerram de desejo... E os meus braços se estendem para ti...
Florbela Espanca

segunda-feira, outubro 15, 2012

MAR E LUA


Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das nocturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar

E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepios
Olhando pró rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pró mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
e à beira mar.


Chico Buarque de Holanda