segunda-feira, outubro 15, 2012

MAR E LUA


Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das nocturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar

E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepios
Olhando pró rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pró mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
e à beira mar.


Chico Buarque de Holanda

sexta-feira, setembro 28, 2012

DEUS SABE QUE NINGUÉM TEM...


Deus sabe que ninguém tem 

instrumento igual ao meu: 

venham medi-lo e hão-de ver 

o tesouro que EI’ me deu.
Tomai-o – isso! – na mão: 

é meu timbre de valor.
Quem o gosto lhe descobre 

sucumbe de terno ardor.
Tão alto como um pilar 

(como um pilar não encolhe) 

visto ao longe na distância 

de qualquer lado que se olhe.
Venham pegar, e apertá-lo 

com força na vossa mão.

E levai-o à vossa tenda,

entre onde os montes estão.
Sê-de vós a lá guardá-lo 

com vossa mão cuidadosa. 

Vê de quanto ergue a cabeça 

como bandeira orgulhosa!
Nem dareis por sua entrada, 

tão corajoso ele avança!
Jamais pende como a vela 

quando o vento se descansa.
Que el’ seja asa da panela 

entre as pernas escondida, 

tão vazia desde o fundo 

até à borda cingida.
Venham ver a maravilha

que logo se ergue tão pronta! 

Tão rara e tão portentosa, 

tão rica de bens sem conta!
E vejam como endurece 

tão forte e tão magistral: 

É coluna dura e longa 

de uma força sem igual.
Se quereis pega segura,

ou colher que bem remexa, 

outra melhor não tereis 

para panelas sem queixa.
Pegai nesta – que ela esteja

na vossa panela ardente, 

lá onde só um instrumento 

haverá que vos contente!
Nem sonhais – amores – o gosto 

que vos dará tal espada,

mesmo em panela de cobre 

ou de prata chapeada.

ABU NOVAS

terça-feira, setembro 25, 2012

Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci...


Olavo Bilac

segunda-feira, setembro 10, 2012

MOMENTOS


Não me apetece dizer o que penso,
o que sinto, o que sou.
Não me apetece dizer-te
para onde vou, onde estou
o que senti.


Não me apetece manifestar meus afectos,
meus carinhos, pedir um beijo,
roçar teu corpo em mil desejos ...


Não me apetece dizer
quantos orgasmos tive,
quando me possuías loucamente.


Não me apetece dizer o que sinto
quando o frenesim da tua boca
roça as minhas coxas
e me deixas louca de tesão.


Não me apetece!
E apetece-me tudo ... 


Otília Martel

segunda-feira, setembro 03, 2012

UMA MENINA




água, tua música de pele
e cheiro fluindo de florações
impalpáveis, chuva acesa
no centro do abismo, onde flutuam
manhãs

terra, teus passos tua voz teus
ruídos de amor e um gozo
além das cordilheiras do sonho
tecendo galáxias, vertiginosa
raiz

ar, teu gesto marinho, olhos
feitos do arremesso do mar
e a centelha invisível a mover
os labirintos do vento, cósmica
serpente

fogo, teu corpo de medusas
e feridas vivas, vulcões,
planeta todo luz, talvez paixão,
pássaro tatuado nas estrelas,
coração

Afonso Henriques Neto

sábado, agosto 04, 2012

Poema


Amo-te por sobrancelha, por cabelo, debato-te em
corredores branquíssimos onde se jogam
as fontes de luz,
discuto-te a cada nome, arranco-te com
delicadeza de cicatriz.
Vou-te pondo no cabelo
cinzas de relâmpago
e fitas que dormiam à chuva.
Não quero que tenhas uma forma, que sejas
precisamente o que vem atrás da tua mão.
porque a água, considera a água e os leões
quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitectura do nada.
acendendo as lâmpadas a meio do
encontro.
Todas as manhãs és a ardósia em que te invento
te desenho.
Pronto a apagar-te, assim não és, nem tão pouco com
esse cabelo liso, esse sorriso.
Busco a tua soma, a beira da taça onde o
vinho é também a lua e o espelho,
Busco essa linha que faz tremer um homem
numa galeria de museu.
Além disso amo-te, e faz tempo e frio.





Julio Cortázar

sexta-feira, julho 27, 2012

Teu mistério


Teu pensamento canta
Teu corpo dança
Teu olhar fala
Mas o teu coração cala.

teu olhar mexe
teu toque marca
teu silêncio fere
Mas o teu brilho cicatriza.

Tua nudez veste
Tua fantasia cobre
Teu orgasmo brilha
Mas o teu prazer ninguem possui.

Teu sorriso atenta
Tua sensatez, não sei
Tua estupidez, talvez
Pois todo o teu prazer... é mistério.



Gelly Fritta

sexta-feira, julho 20, 2012

Invento-me...


Invento-me neste desejo de te abraçar...
Invento-me hera, planta trepadeira,
agarro minhas gavinhas,
minhas expansões, com força,
em tuas estacas, para me poder à terra fixar...

Invento-me abelha, insecto,
Apenas para invadir a tua flor,
Que nasceu de meu desejo,
Para em teu mel, esse néctar,
a minha sede eu poder saciar ....

Invento-me leoa perdida de seu cio,
À procura de um trilho, um sinal, rasto teu,
Para que na floresta da vida,
Eu te possa encontrar...

Invento-me vento, Nortada, brisa, aragem,
Para de forma empolgada,
Agitar teu rio, ondular teu mar...

Invento-me, nestas todas metamorfoses
de ser eu própria, que trago silenciadas no meu espírito,
E ensaio-me assim, neste ser,
Nestas mil formas adoptadas,
Só porque te encontro ao inventar-me,
Mas porque te invento somente a ti!



Beatriz Barroso

sexta-feira, julho 13, 2012

Quando o teu andar…


Quando o teu ser me enlevava em comoções
E eu em ti me extasiava no infinito,
Não viveu esse dia tanto ser aflito,
E os oprimidos, num inferno de milhões?

Quando o teu andar me punha em febril estado,
Outros trabalhavam; na terra eram ruídos.
E havia o vazio, Homens sem Deus, despidos,
Nascia e morria tanto ser desgraçado.

Quando, prenhe de ti, me evolava em essência,
Havia tantos outros arfando em pedreiras,
Minguando à secretária, suando em caldeiras.

Vós, que arquejais em ruas e nos rios da vida,
Se há equilíbrio no mundo e na existência,
Como irá esta minha culpa ser remida?


Franz Werfel 
1913
(tradução de João Barrento)

sexta-feira, julho 06, 2012

O sexo é sagrado

O sexo é sagrado,
como salgadas são as gotas de suor
que brotam dos meus poros
e encharcam nossas peles.
A noite é meu templo
onde me torno uma deusa enlouquecida
sentindo teus pelos sobre a minha pele.
Neste instante já não sou nada,
somente corpo,
boca,
pele,
pêlos,
línguas,
bocas.
E a vida brota da semente,
dos poucos segundos de êxtase.
Tuas mãos como um brinquedo
passeiam pelo meu corpo.
Não revelam segredos
desvendam apenas o pudor do mundo,
descobrem a febre dos animais.
Então nos tornamos um
ao mesmo tempo em que
a escuridão explode em festa.
A noite amanhece sem versos,
com a música do seu hálito ofegante.
O sol brota de dentro de mim.
Breves segundos.
Por alguns instantes dispo-me do sofrimento.
Eu fui feliz.



Claudia Marczak



segunda-feira, julho 02, 2012

Discreta Súplica





Do poderoso amor
dói-me fogo consumido.
Podes ser na chaga bálsamo,
formosa breve tulipa.


Teu lindo brilho dos olhos,
fogo vivo da aurora;
de teus lábios o orvalho
mil cuidados me devora.


Dá em tua voz de anjo
o que teu amante roga:
com mil beijos de ambrosia
te pagarei a resposta.

Csokonai Vitéz Mihály 

(tradução de Ernesto Rodrigues)