quinta-feira, setembro 28, 2006

O amor é loucura

Quem pisa do Amor a linha pura,
não aceita uma asa, retira-a prudente,
pois não é verdadeiro Amor, mas loucura,
o juízo do destino e a sábia gente.

Tal como Roldão não chega à ventura
a sua fúria há-de mostrar-se noutro acidente
senão, vede o sinal para enlouquecer
por bem querer outro e se perder.

Diversos são os efeitos, mas a loucura
uma, pois perde-os sempre
é como numa selva espessa, escura,
onde qualquer um erra o seu caminho
e aqui ou lá o extraviado passo procura.

Digo, a concluir, que é sobejamente digno
o que envelhece amando, outra grande pena
a ter perene o cepo que nos condena.

Hão-de falar: “Vós sois garboso
ensinando o outro a andar em erro cego.”

Entendo, respondo confuso,
agora que vejo claro o falso jogo.

Bem o procuro e julgo ter repouso,
fugir quero do erro e do acerbo fogo,
mas não acabarei assim o caso,
pois o mal me penetrou até ao osso.

Ludovico Ariosto

segunda-feira, setembro 18, 2006

Não digas nada!

Não digas nada!
Não, nem a verdade!
Há tanta suavidade
Em nada se dizer
E tudo se entender
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada!
Deixa esquecer.

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vâ
Toda esta viagem
Até onde quis.
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz...
Não digas nada.


Fernando Pessoa

segunda-feira, setembro 11, 2006

Juan Luis Panero

Mensagem de António a Cleópatra

Elogiem outros
a tua beleza adormecida,
a suavidade da tua pele em repouso,
a medida perfeição dos teus membros.
Não foi para isso que vim,
vim tão somente penetrar-te
pelo peito e pelo dorso,
como um punhal atravessa
a água transparente
e se funde e se transvia
no poço sombrio



--------------------------------------------------------------------------------

Mensagem de Cleópatra a António

Não aplaudas a minha beleza,
outros já o fizeram.
Penetra-me pelo peito e pelo dorso
faz-me pulsar a vida na cintura
e que enlaçados, o teu e o meu corpo,
possam deter o furor bárbaro do tempo.
Mas, se chegar o dia em que o tempo nos detém,
não te lamentes, oh meu estúpido beberrão,
e cai com valor – já Cavafis o escreveu –
nesse poço sombrio
(Antes que chegue a noite)

terça-feira, setembro 05, 2006

Rosa Mística

Do pôr-do-sol àquela luz sagrada,
Eu perdia-me... ó hora doce e breve!...
Meu peito junto ao seu colo de neve,
– Numa contemplação vaga e elevada

Nossas almas s’erguiam, como deve
Erguer-se uma alma à Luz afortunada.
Do mar se ouvia a grande voz chorada.
– Palpitavam as pombas no ar leve.

Eu então perguntei-lhe, baixo e brando:
Em que mundos de luz é que caminhas?
Que torre está tua alma arquitectanto?...

– Ela, travando as suas mãos das minhas,
me disse, ingénua, então: – Estou cismando
No que dirão, no ar, as andorinhas.

Gomes Leal